Entrevista à Revista Brasileira «Manchete»

Vasco Gonçalves

27 de Julho de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Pergunta:Tem acentuado o Sr. Presidente da República e igualmente V. Ex.ª a necessidade de um «reforço da disciplina». Que interpretação poderei dar hoje a essa palavra de ordem?

Resposta: — o «reforço da disciplina» deve ser interpretado, pelo povo português, como uma tomada de consciência real dos problemas da Nação. Só a autoridade do Governo Provisório pode garantir efectivamente as conquistas democráticas já alcançadas e de se caminhar, na paz e na ordem, para o progresso social, económico e político que todos desejamos.

É evidente que, para isso, terá também o Governo Provisório de tomar as medidas necessárias para concretizar as liberdades do Povo Português, principalmente as cívicas e as sindicais para que toda a gente saiba as linhas em que devem inscrever-se essas liberdades.

Pergunta:É unânime a consciência da necessidade de profundas reformas no campo sócio-económico em Portugal. Que linha-mestra considera V. Ex.ª ser necessária adoptar para tal fim?

Resposta: — A única linha-mestra que, no âmbito do Programa do M.F.A,, é possível adoptar neste momento no campo sócio-económico, é definida nesse programa nas alíneas a) e b) do n.° 6 das Medidas a Curto Prazo:

Pergunta:Para alguns, Portugal mais pobre ainda será sem o Ultramar. Que perspectivas para a economia portuguesa à luz desta hipótese?

Resposta: — Estranho, primeiramente, a designação de pobre atribuída a Portugal e ignoro quais os critérios utilizados para essa classificação.

Em segundo lugar não se pode afirmar que a economia nacional, enquanto participação da população portuguesa nos benefícios da criação e distribuição de riqueza, tenha sido favorecida pelo tipo de relações mantidas com os territórios africanos.

Portugal não necessita nem está interessado em basear o seu desenvolvimento na exploração colonial daqueles territórios prevendo-se no entanto o estabelecimento de relações económicas preferenciais, mutuamente vantajosas, com os novos países.

Pergunta:A dinâmica histórica em que vivemos não admite a estagnação e a inércia, dos planos, dos projectos. O programa do M.F.A. é um projecto de vida para a nação. Considera V. Ex.ª que, em circunstâncias especiais como por exemplo quanto às eleições ou ainda no que diz respeito a uma intervenção mais profunda do Estado no campo económico, poderia ele ser revisto, reestudado?

Resposta: — O Programa do M.F.A. estabelece linhas gerais que permitem um campo de manobra para a actuação do Governo Provisório.

Consideramos que esse campo é suficiente para permitir que se atinjam os fins fundamentais a que nos propusemos:

É evidente que o Programa do M.F.A. não representa a verdade absoluta, nem a fórmula mágica da felicidade dos povos, mas consideramos que, neste momento, ele representa um caminho certo e seguro para a evolução da nação portuguesa e que por isso não se torna necessária a sua revisão.

Pergunta:Generaliza-se a opinião de que é muito «estreito» o prazo até Março de 75 para a realização de eleições nacionais, cujos riscos são acentuados num país enormemente apolitizado como é o caso de Portugal. Qual a opinião de V. Ex.ª sobre esse ponto?

Resposta: — A apoliticidade dos portugueses, era um dos muitos mitos de que o fascismo lançava mão para oprimir o nosso Povo.

Não irei ao ponto de afirmar, evidentemente, que existe uma grande «consciência política» em Portugal, mas acredito que o povo português e os partidos mais representativos, saberão no prazo indicado, adquirir a maturidade suficiente para poderem exprimir conscientemente, por meio do voto, a sua vontade.

Pergunta:O movimento de 25 de Abril foi, num conceito «académico» de ciência política, um movimento político. Expressaram os militares uma posição objectiva contra o regime anterior, o que foi, naturalmente, uma opção política. A seguir esse raciocínio, porque considerar as Forças Armadas como um elemento apolítico? O M.F.A. é hoje o parâmetro da vida política portuguesa ...

Resposta: — As Forças Armadas, pela sua natureza própria, são e serão sempre elemento apolítico no conceito «académico» de ciência política.

O facto de, em determinadas alturas da vida das nações, as Forças Armadas se verem na necessidade de tomar uma posição perante a política, não altera em nada as suas características de elemento apolítico, antes pelo contrário, só esse factor lhes permite manterem-se vigilantes e isentas, no sentido de poderem, com imparcialidade, traduzir, em cada momento, o sentir mais profundo dos Povos.

Foi o que aconteceu, em Portugal, na madrugada do dia 25 de Abril.

Pergunta:Como interpreta V. Ex.ª o facto de só a partir da demissão do ex-primeiro-ministro o M.F.A. ter decidido, ele próprio, governar, ou melhor, surgir em todas as frentes como o poder decisivo? Não estará, por isso mesmo, a correr, politicamente, riscos em demasia?

Resposta: — O Movimento das Forças Armadas nunca decidiu governar nem surgir como o poder decisivo, isso seria, aliás, contra os próprios princípios definidos no seu Programa.

O que aconteceu foi o Senhor Presidente da República ter entendido, em face da crise que atravessou o I Governo Provisório, chamar alguns elementos do M.F.A. a cargos governativos, no sentido de dar maior coesão à aliança, surgida em 25 de Abril, entre as F.A. e o Povo Português e de garantir um cumprimento mais firme da lei fundamental do País que é o Programa do M.F.A.

Pergunta:No exíguo mandato do II Governo Provisório quais os próximos grandes passos com relação ao Ultramar?

Resposta: — Prosseguir com a política de descolonização, traçada no discurso do Senhor Presidente da República.

Pergunta:De um regime torcionário para um regime de plena liberdade, Portugal vive hoje em «transe» à procura de um regime que, por todos, se propõe de democrático. Mas que democracia para Portugal, sr. Primeiro-Ministro?

Resposta: — A democracia que o Povo Português, finalmente livre e sem coacções de qualquer espécie, entender que é a que melhor serve os seus interesses.

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