Discurso na Tomada de Posse do II Governo Provisório

Vasco Gonçalves

18 de Julho de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Ao assumir, por designação do senhor Presidente da República, as funções de primeiro-ministro, desejo reiterar a V. Ex.a e ao povo português a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento das Forças Armadas, cuja proclamação solene ao País, em 25 de Abril, abriu o caminho para a construção de um Portugal verdadeiramente livre e democrático.

É habitual, em cerimónias como esta, definirem-se as linhas mestras que terão de presidir à acção executiva do Governo.

Tendo por base a plataforma programática do Decreto-lei 203/74, de 15 de Maio de 1974, o Governo debruçar-se-á, prioritariamente, na definição precisa, concreta e sem ambiguidades das linhas políticas que regerão o País em todos os aspectos da vida nacional durante o período do Governo Provisório.

Desejo enunciar, e porque tal constitui tarefa fundamental, a firme decisão de impor, desde já, uma séria moralização da vida nacional, como condição básica para a tomada de medidas que a actual situação económica e social do País exige, para o prestígio das instituições públicas que deverão dispor de um crédito de confiança perante o País.

Na definição da política económica portuguesa, que necessariamente tem de estar ao serviço do povo português e, muito particularmente, das camadas mais desfavorecidas, ter-se-ão em consideração as potencialidades do Estado e da iniciativa privada, cuja adesão, sem ambiguidades, ao esforço de reconstrução nacional é condição necessária à modernização da economia e ao progresso da sociedade portuguesa. Tal significa que se espera dos empresários um alto sentido de responsabilidade nacional, nesta hora grave e decisiva que atravessamos.

Pela parte do Governo, tudo se fará para que o clima de confiança, que a livre iniciativa requer, se estabeleça desde já no integral respeito pelos superiores interesses nacionais.

Neste contexto, convém clarificar certas ambiguidades surgidas ultimamente em tomo do problema da viabilidade das chamadas «reformas de fundo». Efectivamente, o Programa do Movimento das Forças Armadas não permite a efectivação de transformações radicais ou revolucionárias da estrutura sócio-económica da sociedade portuguesa; contudo nem da letra nem do espírito do referido programa se pode concluir que não possam desde já ser adoptadas as medidas que se julguem necessárias para acelerar o progresso económico-social, melhorar as condições de vida do povo português e aproximá-lo dos níveis dos outros povos da Europa.

A realização desta política económico-social não será, porém, possível se não se instaurar, desde já, um clima de trabalho, com a mobilização plena de todas as potencialidades humanas e materiais deste País. Sem trabalho árduo de todos os portugueses, sem um esforço gigantesco a todos os níveis (Estado, empresários e classes trabalhadoras), no projecto de reconstrução e modernização nacionais, que deve ser o lema instalado na cabeça de todos nós, jamais será levado a cabo o desenvolvimento do País. Simultaneamente, todos teremos de viver, durante este período, em atmosfera de autêntica austeridade, gastando menos no supérfluo e poupando quanto possível para aplicação no esforço global de investimento, que a todos, mas todos, diz respeito.

Nesta tarefa de reconstrução nacional tem papel fundamental a esclarecida e lúcida acção de todos os meios de comunicação social. A objectividade e sentido das grandes responsabilidades nacionais dos trabalhadores da Informação, desde os tipógrafos aos directores dos jornais, passando pelos redactores, serão um poderoso estímulo para a educação de mobilização de vontades, na edificação de um Portugal novo.

A missão da Imprensa é formativa e informativa, ambos esses aspectos têm a sua pedagogia. A acção pedagógica da Imprensa é fundamental para a consciencialização e democratização do povo português. É um dever de honra de todos os trabalhadores de Imprensa. De contrário, não contribuirá para a edificação da democracia, mas para a confusão dos espíritos, agravando desse modo a pesada herança de 48 anos de obscurantismo sistemático.

Finalmente, a Imprensa deve criticar, livre e conscientemente, a vida nacional. Pela sua crítica construtiva, responsável, vigilante e serena, contribuirá para a edificação do Portugal renovado.

Em tarefa semelhante devem participar os partidos políticos e as associações cívicas.

As eleições ainda vêm longe; até lá, e dentro do estrito cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, há uma ampla acção pedagógica a executar: ensinar o povo português a viver em democracia, onde quer que ele esteja e qualquer que seja a sua condição. Esclarecer, fazer compreender as relações político- -sociais, trazer ao de cima o que une o povo e não o que o divide, ensinar os caminhos que, no entender de cada um, são os melhores para o futuro do País, defender o povo das agressões ideológicas partidárias, respeitarem-se mutuamente, não se lançarem em querelas que desacreditem o esclarecimento político e social e que façam o povo fugir dos «políticos». O povo precisa de ser esclarecido, ensinado. Todos os partidos têm nisso o mesmo interesse. Porque não unirem os seus esforços nessa indispensável campanha de ensino?

A liberdade, como dizia Almeida Garrett, há cerca de 150 anos, «só se aprende com a prática». A prática conduz a erros que devem ser corrigidos. Alguns desses erros estão bem à vista em certas actuações desregradas que temos observado. Pois é aos partidos políticos, sem distinção de credos, que compete um importante papel na análise e correcção desses erros, fazendo deles outras tantas lições para o povo.

Já se notam, por vezes, indícios de que há lutas partidárias que não contribuem para a unidade mas para a divisão dos Portugueses. Não é por este caminho que se conquista e consolida a democracia. Neste momento, todos os partidos políticos e associações cívicas se devem unir para consolidar e defender a democracia em Portugal, para fortalecer a unidade do Povo e das Forças Armadas, condição indispensável de paz social e de progresso nacional.

Não desejamos, nem admitimos de modo algum, um regresso ao triste passado de antes de 1926.

O que pedimos, portanto, aos partidos políticos e associações cívicas e outras? Uma acção pedagógica sistemática, de modo que o Povo possa ser conduzido conscientemente às eleições para a Assembleia Constituinte.

O que está em jogo é o futuro da nossa Pátria e não quaisquer interesses partidários.

Duas palavras sobre a posição dos militares em relação à política. Os militares têm um programa político, o do Movimento das Forças Armadas, e nada mais. Este programa é um programa de isenção, apartidário, sobre o qual os militares se comprometeram por sua honra.

Assim, nós pretendemos firmemente cumprir esse programa, com toda a fidelidade, abdicando das ideias próprias que cada um possa ter, para se empenhar, com a máxima isenção e pureza, na realização prática do que se propuseram os camaradas que na madrugada de 25 de Abril tudo de seu ofereceram à nossa Pátria.

E dentro desta linha estaremos sempre atentos a quaisquer tentativas de desvio ao Programa do Movimento das Forças Armadas, venham elas donde vierem. É preciso que o País o saiba sem ambiguidades. Não haverá desvios ao Programa do Movimento das Forças Armadas, pois ele possui a flexibilidade suficiente para permitir o progresso, sem forçar transformações radicais do sistema socio-económico em que vivemos.

Finalmente, não posso deixar de referir a questão ultramarina.

O Programa do M.F.A. prevê com toda a clareza o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz. Esse lançamento foi feito logo após o 25 de Abril. O Sr. Presidente da República, no seu discurso, aquando da tomada de posse dos novos governadores de Angola e Moçambique, definiu os princípios que presidem à nossa política de descolonização.

Recentemente, o Conselho de Estado aprovou uma lei constitucional que, completando e esclarecendo o pensamento que presidiu ao Programa do M.F.A, (ver n.° 8 das medidas a curto prazo), reconhece o direito dos povos a autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo o direito à independência.

Neste complicado processo de descolonização, é necessário ter presente que:

Mas tudo tem o seu tempo de gestação, não se podem resolver de ânimo leve assuntos de tanta responsabilidade. Progressos apreciáveis, soluções à vista, se têm obtido em negociações; contudo, elas não podem ser conduzidas, regra geral, a céu aberto, nem delas se pode dar conhecimento, amiúde, ao País, por razões óbvias. Julgo poder afirmar, no entanto, que muito em breve o Sr. Presidente da República fará uma comunicação ao País que lhe dará satisfação, pelo menos em parte, das suas legítimas ansiedades.

A todos os srs. ministros que aceitaram partilhar comigo o honroso encargo de formar o II Governo Provisório, aquele que há-de levar a carta a Garcia, desejo significar o meu maior apreço e a mais leal amizade.

Certo que estou da alta capacidade governativa de V. Exas, permitam-me uma referência de camaradagem aos jovens ministros militares, cuja presença no Governo do País deverá ser entendida como a garantia do mais fiel cumprimento do nosso programa e da consolidação e reforço da democracia.

Sr. Presidente da República:

São estas as palavras de um militar que põe acima de tudo os interesses da sua Pátria: um militar que a coragem e o patriotismo dos nossos jovens oficiais fizeram sugerir a V. Exª. para o cargo de primeiro-ministro. A todos esses meus camaradas dirijo o meu mais afectuoso reconhecimento e a certeza de que a minha investidura foi a consagração do movimento que sonharam, preparam e realizaram, com os olhos postos na nossa querida Pátria e no nosso querido Povo.

São para V. Ex.a, sr. Presidente da República, as minhas últimas palavras:

V. Ex.ª também colaborou na redacção do nosso programa, bem como o sr. general Costa Gomes. Empenhou também, como nós, a sua honra no compromisso do Programa do M.F.A.

Por todos estes motivos pode V. Ex.a confiar que tudo farei para cumprir a nobre tarefa de que me incumbiu, que toda eia se resume no integral cumprimento do Programa do Movimento das Força Armadas.


Abriu o arquivo 05/05/2014