A reunião de cúpula e a mentira

Fidel Castro

22 de abril de 2009


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


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Algumas das coisas que Daniel me disse seriam difíceis de acreditar se não fosse ele a contá-las e não fosse uma Reunião de Cúpula das Américas onde aconteceram.

O insólito é que não houve tal consenso em relação ao documento final. O grupo da ALBA não o subscreveu; assim o fez constar no último intercâmbio com Obama na presença de Manning e do resto dos líderes na manhã de 19 de abril.

Nessa reunião falaram Chávez, Evo e Daniel sobre o tema com absoluta clareza.

Pareceu-me que Daniel exprimiu uma queixa amarga quando, no dia da inauguração da Cúpula, disse em seu discurso:

“…Acho que o tempo que estou tomando é muito menor que o tempo que tive de estar, três horas, esperando no aeroporto dentro do avião.”

Perguntei-lhe ao respeito e me contou que seis dirigentes de alto nível tiveram que esperar na pista: Lula, do Brasil; Harper, do Canadá; Bachelet, do Chile; Evo, da Bolívia; Calderón, do México e ele, que era o sexto. Motivo? Os organizadores, num ato de adulação, assim o decidiram para receber o Presidente dos Estados Unidos. Daniel permaneceu as 3 horas dentro do caloroso avião de LACSA, ao ser retido no aeroporto sob o sol radiante do Trópico.

 Explicou-me o comportamento dos principais líderes presentes na Reunião de Cúpula, os problemas fundamentais e específicos de cada um dos países da América Latina e do Caribe. Nele não se viu rancor algum. Estava seguro, tranqüilo e compreensivo. Lembrei-me dos tempos da guerra suja de Reagan, as milhares de armas lançadas por ele contra a Nicarágua, as dezenas de milhares de mortos, a minagem dos portos, o emprego das drogas por parte do governo dos Estados Unidos para eludir as disposições do Congresso, proibindo fundos para financiar aquela guerra cínica.

 Não passamos por alto a criminosa invasão a Panamá ordenada por Bush pai, a horrível chacina de El Chorrillo, os milhares de panamenhos mortos, a invasão da pequena Granada com a cumplicidade de outros governos da região, fatos bastante recentes na trágica história no nosso hemisfério.

Em cada um dos crimes estava a mão peluda da OEA, principal cúmplice das brutais ações da grande potência militar e econômica contra os nossos povos empobrecidos.

Contou-me do prejuízo que o narcotráfico e o crime organizado ocasionam aos países da América Central, o tráfico de armas norte-americanas, o imenso mercado que impulsiona essa atividade tão nociva para as nações da América Latina e do Caribe.

Contou-me das possibilidades geotérmicas da América Central como um recurso natural de grande valor. Considera que a Nicarágua, por essa via, poderia atingir uma capacidade de geração equivalente a dois milhões de quilowatts/hora. Hoje sua capacidade total de geração elétrica, incluídas as diversas fontes de energia, apenas atinge 700 mil quilowatts/hora e são freqüentes os blecautes.

Falou da capacidade da Nicarágua para produzir alimentos, do preço do leite que é distribuído a um terço do que cobram nos Estados Unidos, ainda que os salários nesse país sejam dezenas de vezes mais altos.

Nossa conversa girou em torno a isso e a outros temas práticos. Em nenhum momento o vi rancoroso e ainda menos sugerir medidas extremistas no tema econômico. Está bem informado e analisa com grande realismo o que pode e deve ser feito.

Expliquei-lhe que muitas pessoas no nosso país não tinham podido escutar seu discurso por questões de horário e a falta de informação oportuna relativamente à Reunião de Cúpula, que por tal motivo lhe pedia que aceitasse explicar, em um programa da televisão, os temas de mais interesse relacionados com a Cúpula das Américas, a um painel integrado por três jornalistas jovens, os que com certeza serão do interesse de muitos latino-americanos, caribenhos, norte-americanos e canadenses.

Daniel conhece muitas possibilidades concretas de melhorar as condições de vida do povo da Nicarágua, um dos cinco países mais pobres do hemisfério, como conseqüência das intervenções e da pilhagem dos Estados Unidos. Agradou-lhe a vitória de Obama e o observou bem na Cúpula. Não lhe agradou seu comportamento na reunião.

“Movimentava-se por todos os lados — disse-me — procurando as pessoas para influir sobre elas, sugestionando-as com seu poder e seus afagos.”

É claro que para um observador à distância, como era meu caso, percebia-se uma estratégia concertada para exaltar as posições mais afins aos interesses dos Estados Unidos e mais opostas às políticas partidárias das mudanças sociais, da unidade e da soberania dos nossos povos. O pior, a meu ver, foi a manobra de apresentar uma declaração supostamente apoiada por todos.

O bloqueio a Cuba nem sequer foi mencionado na Declaração Final e o Presidente dos Estados Unidos a utilizou para justificar suas ações e encobrir supostas concessões de sua Administração a Cuba. Nós compreenderíamos melhor as limitações reais que o novo Presidente dos Estados Unidos tem para introduzir mudanças na política de seu país para com nossa Pátria, que o uso da mentira para justificar suas ações.

Por acaso devemos aplaudir a agressão de nosso espaço televisivo e radial, o uso de tecnologias sofisticadas para invadir esse espaço desde grandes alturas e aplicar a mesma política de Bush contra Cuba? Devemos aceitar o direito dos Estados Unidos para manter o bloqueio durante um período geológico até trazer a democracia capitalista a Cuba?

Obama confessa que os líderes dos países latino-americanos e caribenhos lhe comentam em todas as partes a respeito dos serviços dos médicos cubanos, porém expressa que:

“…Isto é um recordatório para nós nos Estados Unidos, de que se nossa única interação com muitos países é a luta contra a droga, se nossa única interação é militar, então é possível que não estejamos desenvolvendo conexões que com o tempo possam aumentar nossa influência e ter um efeito benéfico quando tenhamos necessidade de fazer avançar políticas de nosso interesse na região.”

No subconsciente, Obama compreende que Cuba goza de prestígio pelos serviços de seus médicos na região e até lhe dá mais importância que nós próprios. Talvez nem sequer lhe informaram que Cuba enviou seus médicos não só para a América Latina e o Caribe, mas também a numerosos países da África, a países asiáticos, em situação de catástrofes, a pequenas ilhas da Oceania como Timor-Leste e Quiribati, ameaçadas com ficar sob as águas se o clima mudar e inclusive ofereceu enviar, em questão de horas, uma brigada médica completa para socorrer as vítimas do Katrina quando grande parte de Nova Orleans ficou desamparada debaixo das águas e haveriam podido salvar muitas vidas. Milhares de jovens selecionados de outros países foram formados como médicos em Cuba, dezenas de milhares mais se estão preparando.

Mas não temos cooperado apenas no domínio da saúde, também no da educação, no esporte, na ciência, na cultura, na poupança de energia, no reflorestamento, na proteção do meio ambiente e noutros campos. Os órgãos das Nações Unidas poderiam dar fé disto.

Mais uma coisa: sangue de patriotas cubanos se derramou na luta contra os últimos baluartes do colonialismo na África e na derrota do Apartheid, aliado dos Estados Unidos.

O mais importante de tudo, já o disse Daniel na Cúpula, é a ausência total de condicionalidade na contribuição de Cuba, a pequena Ilha que os Estados Unidos bloqueiam.

Não o fizemos à procura de influências e de apoio. Foram os princípios que sustentam nossa luta e nossa resistência. O índice de mortalidade infantil em Cuba é menor que o dos Estados Unidos; há muito tempo que não há analfabetos; as crianças brancas, negras ou mestiças freqüentam todos os dias a escola; dispõem de idênticas possibilidades de estudo, incluídas aquelas que precisam de uma educação especial. Não temos alcançado toda a justiça, mas sim o máximo de justiça possível.  Todos os membros da Assembléia Nacional são candidatados e eleitos pelo povo; vota mais de 90% da população com direito ao voto.

Não solicitamos a democracia capitalista na qual você se formou e na qual acredita sinceramente e com todo o direito.

Não pretendemos exportar nosso sistema político aos Estados Unidos.


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Inclusão: 11/01/2020