Quem quer entrar na lixeira?

Fidel Castro

22 de Fevereiro 2008


Fonte: Cuba Debate

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


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Por acaso soube que a OEA existia, ao ler hoje um telex da Internet com o artigo de Georgina Saldierna, publicado em La Jornada, titulado “Descarta Insulza que Cuba possa ser logo aceite de novo na OEA”. Ninguém se lembrava dela. Veja o carácter antediluviano do argumento.

“O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, descartou ontem que Cuba possa se reincorporar de imediato ao organismo multilateral, entre outras razões porque não há consenso sobre o tema entre seus membros.”

“Por seu lado, Insulza considerou que um requisito que teria que cumprir Cuba para sua plena reincorporação à OEA é atender as normas da organização, entre as quais se inclui a Carta Democrática Inter-americana e a Convenção de Direitos Humanos.”

Se não for suficiente para se divertir, veja o artigo de Antonio Caño, de El País, de 21 de Fevereiro de 2008, “O isolamento da ilha apenas serve para perpetuar a agonia do regime”.

“Uma das vozes mais autorizadas do exílio cubano, o empresário Carlos Saladrigas, confia em que a demissão de Fidel Castro pode ser ‘a porta que abre definitivamente à mudança’ e pede à comunidade cubana de Miami e ao Governo dos Estados Unidos que actuem com ‘prudência’ e com ‘vontade conciliadora’, com o fim de não desaproveitar esta oportunidade.

“Saladrigas, que preside uma pequena organização chamada Grupo de Estudos Cubanos, integrada num colectivo de outras associações políticas e de direitos humanos conhecido como Consenso Cubano, tem gasto nos últimos anos milhões da sua fortuna particular para pôr em marcha um embrião de alternativa moderada e centrista aos velhos dirigentes radicais que dominavam a comunidade cubana nos Estados Unidos. No páramo de liderança em que ficou Miami após a morte de Jorge Mas Canosa, Saladrigas é uma voz respeitada entre os círculos intelectuais, e escutada pela mídia e pelos diplomatas estrangeiros.

“Numa conversação telefônica desde a República Dominicana, Saladrigas declarou: ‘continuar isolando Cuba só serve para perpetuar a agonia do regime.’

“‘Este é um momento de grande esperança, tanto para os cubanos do exílio quanto para os dissidentes no interior.

“‘O exílio deve ajudar estimulando os passos que se vão dando em Cuba, não rejeitando-os.

As transições são feitas passo a passo.

“‘É preciso conseguir que o regime perca o medo ao exílio; quanto menos medo tiver, mais rápido irá tudo.’ A mudança, na sua opinião, não se pode deter.”

“Na Flórida vive um milhão de cubanos com recursos suficientes como para revitalizar a maquinaria econômica da ilha em muito pouco tempo se forem dadas as condições adequadas, que devem ser criadas tanto pelos Estados Unidos como por Cuba. O primeiro, levantando as restrições aos cidadãos norte-americanos para investir na ilha, e o segundo, legalizando a propriedade privada e a actividade econômica estrangeira.

“Uma vez que se dêem essas condições, na opinião de Saladrigas, as reformas políticas serão automáticas. A medida mais urgente seria a libertação dos presos políticos. Cumprido isso, e aberta a porta ao investimento, o exílio poderia se tornar no maior fundo de ajuda que nenhuma transição política tem conhecido na história, afirma.”

Carlos Saladrigas soa-me no ouvido como nome e sobrenome que escutei muitas vezes quando, como estudante de 18 anos, concluía os meus estudos no quinto e último curso de Bacharelato. Era o candidato escolhido por Batista ao concluir o último ano do seu mandato constitucional. Antes tinha sido seu Primeiro-ministro. Estava finalizando a segunda guerra mundial.

Que barato quer nos comprar o novo Carlos Saladrigas! Com o dinheiro de Miami, “o maior fundo de ajuda que nenhuma transição tem conhecido na história”, algo que os Estados Unidos não têm podido conseguir com todo o dinheiro do mundo.

A realidade é outra e ela não se oculta aos que observam com realismo os acontecimentos que ocorrem em Cuba.

Um artigo de David Brooks, publicado há menos de 12 horas no jornal La Jornada, de México, sob o título “Estados Unidos relegado a simples espectador da transição política em Cuba”, utiliza argumentos dignos de serem sublinhados.

“Nova Iorque, 20 de Fevereiro. Não cessa de espantar como um dos países mais pequenos do mundo obriga a que os líderes políticos, empresariais, mediáticos e acadêmicos do país mais poderoso do mundo tenham que responder perante suas decisões de fazer ou não, mudar ou não, ou simplesmente deixar tudo no mistério.

“Durante as últimas 24 horas o presidente George W.  Bush, os altos funcionários do seu Departamento de Estado, seu Conselho de Segurança Nacional, legisladores federais, os pré-candidatos presidenciais e outras figuras políticas de primeiro nível, analistas políticos e os principais centros de política exterior, todos os principais meios impressos e eletrônicos, agrupamentos de direitos humanos, e mais, têm respondido à decisão de Fidel Castro de não se postular por outro período.

“Enquanto se procede com uma transição política em Cuba, ninguém aqui espera alguma mudança durante os poucos meses que restam da presidência de George W. Bush, o décimo presidente estadunidense que prometeu impor mudanças na ilha, apenas para acabar seu período com Fidel Castro ainda definindo a política do seu próprio país e desafiando o super poder.

“E mais uma vez, Washington e todos os peritos foram reduzidos a simples espectadores e tiveram que reconhecer que a transição é a determinada por Cuba, e não o resultado da política que Washington tem promovido durante meio século.”

“Julia Sweig, perito na relação bilateral e diretora do programa de América Latina para o Council on Foreign Relations, sublinhou… que se deveria ter levantado o embargo e outras restrições que apenas têm limitado a política exterior estadunidense justo neste tipo de conjuntura.

“O ex coronel Lawrence Wilkerson –mão direita do general Colin Powell e agora co-presidente da Iniciativa de política EU-Cuba da New America Foundation–, considerou mais uma vez que esta conjuntura oferece uma oportunidade para mudar a postura estadunidense, embora admitiu que ‘nossa política para com Cuba é um fracasso’ e não haverá nenhuma mudança sob esta presidência.

Os pré-candidatos e outros deveriam iniciar uma avaliação desta política, incluindo coisas óbvias como levantar a proibição de viagens e alguns aspectos do embargo, para que o próximo ocupante da Casa Branca possa implementar algumas mudanças.

“O New York Times faz eco destas perspectivas no seu editorial de hoje, indicando que o governo de Bush fez tudo quanto possível ‘para assegurar que não tem a oportunidade de influir nos eventos’ em Cuba.

‘No intuito de apertar o fracassado embargo, tem tornado muito mais difícil para acadêmicos, artistas e gente religiosa viajarem a Cuba e difundirem a boa palavra sobre a democracia.’ O Times propõe deixar de lado os interesses de Miami, mesmo se for particularmente difícil num ano eleitoral para abrir comunicação direta com Cuba e ‘os sucessores do senhor Castro’.

“Com o anúncio de Castro desde Havana, a dinâmica política dentro dos Estados Unidos também pode mudar. Os três principais pré-candidatos se pronunciaram ontem a respeito do assunto, com o republicano John McCain e a democrata Hillary Clinton repetindo a retórica de sempre de que Cuba tem que demonstrar mudanças antes que Washington considere uma mudança de sua política.

“O democrata Barack Obama ―que em 2003 como candidato ao Senado advogou pelo levantamento do embargo― tem condicionado sua posição agora, mas é o único que tem favorecido afrouxar as restrições a viagens e o envio de fundos à ilha, e ontem disse que se houverem amostras de uma mudança rumo à democratização na ilha, ‘os Estados Unidos deve estar preparado para dar passos rumo à normalização das relações e suavizar o embargo’.”

“‘Tivemos uma má política durante 50 anos, por razões que não têm nada a ver com Cuba’, declarou o representante federal Charles Rangel, presidente de um dos comitês mais influentes do Congresso, informou o Wall Street Journal. Vários legisladores mais percebem este momento como uma abertura possível para promover mudanças na política bilateral.

“O setor empresarial, que há anos tem manifestado sua oposição ao embargo, também poderia ver esta como uma oportunidade para envidar esforços para mudar a política estadunidense, com o apoio bipartidário de legisladores e governadores que vêem o mercado cubano como algo mais atraente que manter uma posição ideológica alinhada comum presidente e seu governo cada vez mais desprestigiado em Washington.

“Ao que parece, a transição em Cuba poderia provocar uma transição dentro dos Estados Unidos. Mas talvez Washington e Miami são mais renuentes à mudança do que Havana.”

Como podem constatar os leitores, trabalhei pouco enquanto espero a decisão transcendente do dia 24.

Agora sim estarei vários dias sem usar a caneta.


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Inclusão 09/07/2019