Mensagem ao Congresso da UGEAN, em Rabat

Amílcar Cabral

Agosto de 1963


Primeira Edição: ....

Fonte: ...

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Sr. Presidente
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores
Caros irmãos e companheiros de luta

Encontrando-me em Rabat, em missão do nosso Partido relativa a nossa luta de libertação nacional, eu não poderia deixar de corresponder ao amável convite da UGEAN, para assistir à abertura solene do seu 2º Congresso, embora o nosso povo e a nossa luta estejam aqui legitimamente representados pelos nossos estudantes, alguns dos quais são aliás responsáveis do nosso Partido, não pude realizar o desejo de estar presente, mas calado — e que corresponde a uma atitude cómoda, mas justa, porque, felizmente, já há estudantes das colónias portuguesas em número bastante para tratarem eles próprios — e só eles — dos problemas que lhes digam respeito.

Usei da palavra numa das sessões de trabalho do vosso Seminário para vos definir a posição até agora adoptada pelo nosso Partido em relação ao problema estudantil e à sua presença activa na nossa luta de libertação nacional. Falo agora para vos dirigir a Mensagem do nosso povo e do nosso Partido ao vosso Congresso.

Permitam-me,em primeiro lugar, aproveitar esta ocasião para saudar o povo marroquino, o seu Governo e Sua Majestade Hassan II, que tem dado uma ajuda correta a luta de libertação dos nossos povos. Através do representante do Governo marroquino aqui presente — um companheiro de luta — endereço os melhores votos de sucesso ao povo marroquino na sua luta pelo progresso.

Em nome dos nossos combatentes da Guiné e dos nossos militantes de Cabo Verde — os legítimos representantes do nosso povo em luta — saúdo os estudantes delegados aqui presentes e auguro o melhor sucesso ao Congresso da UGEAN.

Caros companheiros de luta,

Qualquer que seja a nossa comum admiração e respeito pela avestruz e pelo camaleão, temos de reconhecer que as "tácticas" que celebrizaram esses animais no quadro das relações ser-realidade não podem servir de base à acção de homens, conscientes. A avestruz que mete a cabeça na areia para não ver a realidade, simboliza o irrealismo, a utopia por excelência. O camaleão que muda facilmente de cor para se adaptar ao meio — seja, para disfarçar a sua presença — simboliza o oportunismo por excelência, a falta de determinação ou de vontade de lutar. Claro que se pode argumentar que, para a avestruz e para o camaleão, a utopia e o oportunismo (mimetismo) são, respectivamente, as formas possíveis de luta. Se isso é verdade, também não é menos verdade que nós não somos nem avestruzes nem camaleões.

Se, no quadro geral das colónias portuguesas e no âmbito particular de cada uma delas, nós queremos servir os interesses dos nossos povos, temos de saber encarar a realidade de frente. Temos, além disso, de saber discernir, no quadro dessa realidade e em cada instante, sejamos homens políticos ou estudantes, o que é principal e o que é secundário?

Qual é a realidade-base da nossa vida no presente?

A realidade-base da vida dos nossos povos é que as nossas terras são colónias, somos ainda países dependentes, dominados pelo colonialismo português.

O que é principal, diante desta realidade, para os que amam os nossos povos e desejam o seu progresso?

O principal — o vital, diria eu — é a luta pela libertação dos nossos povos, é levar a cabo essa libertação o mais depressa possível.

A realidade é que a luta de libertação dos nossos povos tem de ser feita no interior dos nossos países e pelos nossos próprios povos. A verdade principal é que a luta não se faz por palavras, mas pela acção concreta, no caso preciso das colónias portuguesas, pela acção armada. O resto são conversas.

Nem avestruzes nem camaleões — mas homens conscientes da realidade histórica do nosso tempo e das condições concretas da nossa vida e da nossa luta, nós devemos, a cada nível social e em cada instante, enfrentar as nossas responsabilidades e cumprir o nosso dever.

Vocês são estudantes e reúnem-se pela segunda vez em Congresso, para estudar e resolver os vossos problemas, no quadro da realidade concreta das nossas terras quer dizer, da nossa luta comum contra o colonialismo português.

Qual é a realidade particular, da vida dos estudantes das colónias portuguesas?

A realidade é que 99% das nossas populações são analfabetos e as massas populares não tem actualmente acesso à instrução. Entre 70% a 100% dos efectivos das escolas secundárias são constituídos por filhos de colonos que estão longe de se interessarem seriamente pela libertação dos nossos povos, pelo contrário. Não há Universidades nas nossas terras, e não é certamente ao nível. de uma minoria de alunos das escolas secundárias que se estruturam organizações estudantis válidas. A realidade é que, na maioria das colónias portuguesas, são evidentes as deficiências mesmo no que se refere a sólida estruturação das organizações políticas de luta de libertação nacional — único suporte válido para a viabilidade de eventuais organizações estudantis. O que é pior ainda: reina a divisão e a confusão entre os nacionalistas na mais importante das nossas terras.

A realidade, caros irmãos e companheiros de luta, é que, apesar da realidade que caracteriza a nossa vida, vocês estão divididos. Porque? Porque uns querem uma unidade orgânica na vossa acção no exterior das nossas terras; outros querem uniões nacionais, sejam elas criadas nos cafés de Paris ou nas frias ruas de Moscovo, sejam elas o fruto da utopia de alguns ou o resultado frágil da busca de suporte por parte de organizações políticas...

A realidade — que ninguém pode negar — é que vocês são e serão mais fortes, mais úteis aos nossos povos e a cada um dos vossos povos, se estiverem unidos e vos darem as mãos solidamente na tarefa que nos compete no quadro da nossa luta comum contra o colonialismo português e pelo progresso.

Caros irmãos e companheiros de luta:

Vocês sabem que a luta do nosso povo tem feito progressos consideráveis. Estejam certos de que vamos progredir cada vez mais, ate à vitória final. Mas quero dizer-vos que, para nós, na Guiné e em Cabo Verde, o verdadeiro progresso da nossa luta será o que dirá respeito a todos as colónias portuguesas. No quadro da construção da Unidade Africana que Addis-Abeba fecundou, nós acreditamos que os povos das colónias portuguesas poderão, se souberem ser unidos e colaborarem eficazmente, desempenhar um papel de importância. Vocês são os quadros do próximo futuro. Sobre os vossos ombros assentam grandes responsabilidades em relação ao sucesso ou ao insucesso dos nossos povos, no quadro africano e mundial.

Certo de que a linguagem de franqueza e da coragem é a da juventude e dos estudantes, falei-vos sem rodeios. Mas também sem a mínima intenção de influenciar os vossos trabalhos. Vocês devem, pelos vossos próprios meios, pôr-vos os vossos problemas e procurar-lhes as melhores soluções, quer dizer, as que servem verdadeiramente os interesses dos vossos povos.

Por isso, o nosso povo pôs a melhor esperança nos resultados do vosso Congresso que marcará mais uma vitória na nossa luta comum contra a dominação colonial portuguesa e pela construção do progresso nas nossas pátrias africanas.

Viva a luta unida de libertação nacional dos povos das colónias portuguesas!

Viva a juventude dos nossos povos, esperança e força maior na construção do futuro das nossas pátrias!

Abaixo o colonialismo português, a miséria, a ignorância e o sofrimento nas nossas terras!


Inclusão 07/09/2019