O Filósofo por ele mesmo
Carta a Mann

Theodor Adorno

5 de Julho de 1948


Fonte: http://planeta.clix.pt/adorno/ Esta carta foi traduzida por Samuel Titan Jr. extraída de Briefwechsel — 1943-1955

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Caro e prezado sr. dr. Mann,

Terei prazer em lhe enviar alguns dados a meu respeito.

Nasci em 1903, em Frankfurt. Meu pai era um judeu alemão; minha mãe, também cantora, é filha de um oficial francês de origem corso-genovesa e de uma cantora alemã. Cresci numa atmosfera dominada por interesses artísticos e teóricos (inclusive políticos). Estudei filosofia e música. Em vez de me decidir por uma, sempre tive a impressão de que perseguia a mesma coisa em ambas. Em 1924, doutorei-me com um livro sobre Kierkegaard e ensinei filosofia em Frankfurt até 1933, quando fui expulso pelos nazistas.
Deixei a Alemanha em 1934, trabalhei primeiramente na Universidade de Oxford e acompanhei o Instituto de Pesquisa Social rumo a Nova York. Moro desde 1941 em Los Angeles.

Minha relação com o Instituto e minha amizade com Horkheimer remontam a meus anos de estudante; ambas são indissociáveis de meu pendor dialético e de minhas tendências filosófico-sociais. Os marcos mais essenciais de minha ligação com Horkheimer são a Dialética do Esclarecimento, que publiquei com ele, e o volume
em memória a Walter Benjamin.

Meus estudos musicais voltaram-se para piano e composição, primeiro com Bernhard Sekles e Eduard Steuermann, em Viena. A amizade com estes últimos e com Rudolf Kolisch e Anton Webern foi artisticamente decisiva para mim. Entre 1928 e 1931, fui redator da revista Anbruch, de Viena, em prol da música moderna mais radical.

A influência cruzada do musical e do sociofilosófico deixou sua marca em um livro sobre Richard Wagner e em numerosos artigos na Revista de Pesquisa Social, publicados em alemão e em inglês. O livro Filosofia da Nova Música, que deve ser publicado em breve na Alemanha, representa um resultado provisório desses trabalhos. Sua primeira parte, escrita já em 1941, tem por objeto a obra de Schoenberg e sua escola de composição dodecafônica. Ele figura ali como o maior compositor vivo, ao mesmo tempo em que se aponta como o necessário esclarecimento construtivo da música, por razões objetivas que escapam ao compositor, ameaça recair no obscuro e no mitológico.

A segunda parte, só agora concluída, trata de Stravinski e explicita a impossibilidade de uma restauração musical, ligada às tendências regressivas do capitalismo.

Entre meus trabalhos não-musicais dos últimos tempos, permita-me mencionar um livro de aforismos, Minima Moralia.

Talvez não seja imodesto demais pedir-lhe que ressalte antes meu empenho intelectual e imaginativo com a obra e a estética de Leverkühn do que o meramente informativo.

Mal posso esperar para ver a portinhola para a eternidade que o seu romance abrirá para mim. Não preciso lhe dizer o que significa para mim o seu reconhecimento de meus esforços excêntricos, bem como a sua intenção de trazê-los à luz.

Com admiração cordial, seu
Teddie Adorno


Inclusão 21/11/2018